COMO O PAI DO WILLIAM TONET SALVOU O MEU TIO

Geralmente quando falo dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977, as prisões e cadeias, tomo como referências, factos e personagens reais. Hoje faço-o por ter sido alertado que no 9 de Março fez aniversário um grande nacionalista, que ajudou a salvar a vida do meu tio, estando ele a partilhar as fedorentas masmorras da DISA, polícia política canibalesca de Agostinho Neto.

Por Fernando Vumby (*)

Têm sido muito referenciadas as Cadeia de São Paulo e o Campo de Concentração do Tari, na Kibala (Kwanza Sul), por onde passei e, quase nunca, sobre a tenebrosa e terrível cadeia da Casa de Reclusão, em Luanda, a única que teve uma mãe e filha ainda bebé de três meses de idade, como prisioneiras. Que barbárie! Isso o MPLA esconde… quando devia assumir essa sua inquisição, que superou a da católica…

Curiosamente ambas, pasme-se, as mentes diabólicas, foram acusadas de fraccionistas. Pode? Eram tão bárbaros, que um energúmeno de Neto, chegou a dar uma valente beliscada na bochecha da bebé.

É triste, mas, meus irmãos, podem crer, que sobre os acontecimentos do 27 de Maio de 1977, nem 37% foi publicado. Há histórias horríveis e arrepiantes sobre aquilo que foram, por exemplo, as torturas e assassinatos, cometidos na Casa de Reclusão, e o papel, que muitos presos desempenharam, para escapar e sobreviver aos assassinos da DISA, durante os acontecimentos do 27 de Maio de 1977, um acto inventado por Neto e sua corja, para eliminar milhares de intelectuais autóctones.

Aqui, os assassinos da DISA/Neto, apertavam, com o alicate, até os testículos dos presos, brancos, mulatos e pretos, revolucionários comprometidos, verdadeiramente, com uma Angola republicana e igual para todos. Perguntem ao Carlos Jorge e ao Cansado, ambos verdadeiros sanguinários e assassinos, que mataram muitos inocentes, autênticos secretas que nunca se cansavam quando o assunto era escorraçar, espancar e matar os presos revolucionários, não corruptos nem traidores, já desde os tempos ainda da caça aos jovens da BJR (Brigada da Juventude Revolucionária), organização juvenil da FNLA à qual dizem ter Miala pertencido, quiçá por ser bacongo…

Mas estavam, as mais férteis mentes de imaginar, que um dia, ironia do destino, o ontem estigmatizado, fosse hoje, uma das maiores referências dos “alicates” do regime, que conjuga os verbos; “posso, mando e julgo”, como poucos…

Os assassinos da DISA, lembro-me hoje, neste mês de Março de 2022, lançaram muitos inocentes para o tenebroso “Campo do Tari”, na Kibala, província do Kwanza Sul, onde conheceram a morte, como os meus conhecidos e amigos; Manuelito Kuango e o Gonga, ambos filhos de ambrizetanos (do N’zeto-província do Zaire), não esquecendo o Binocas e alguns oficiais da FNLA (assunto para outra crónica).

Hoje, em homenagem ao 9 de Março e em memória do mais velho Guilherme Tonet, pai do William, o chefe indígena, quero recordar um dos momentos mais duros na cadeia além da tortura de que já estávamos habituados, que nos fazia fazer xixi, nas calças, e respirar fundo, quando os carcereiros apareciam com listas, chamando pelo nome dos presos, para os levar à execução (fuzilamento).

O meu tio estava na mesma cela com o pai do William Tonet, quando, um dia, o carcereiro, entra e começa a chamar pelos nomes, ao chegar ao (nome) do meu tio, aprestando-se este para responder, o mais velho Guilherme fez-lhe um sinal para ficar calado; caladinho, ao que este obedeceu. Uff!

Foi assim que se salvou da morte certa, porque todos os outros, que responderam, naquele dia e período, mais de 50 foram levados e executados. Não sobrou nenhum! Era terrível esta espécie humana.

Felizmente, o meu único tio querido, foi desta forma que se livrou da morte, ao mais velho Guilherme Makala Tonet, um “dikota”, que a PIDE/ DGS poupou quando detido, como preso político, no tempo colonial, no Campo de São Nicolau e que o MPLA não poupou…

Descanse em paz, mais velho, Guilherme Makala Tonet, pois os teus filhos, amigos e conhecidos saberão honrar o teu nome, assim como as acções, que realizaste como um homem de bem, que foste.

(*) Fórum Livre Opinião & Justiça

Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.

Artigos Relacionados

Leave a Comment